Lost in translation

A Sophia Coppola que me perdoe mas foi inevitável roubar o título de filme para o post de hoje. Esta tarde eu tive o primeiro contato com a dura realidade do candidato à imigração: não basta preencher o contrato de autonomia financeira, é preciso bancar o processo.

Tudo começa na reunião dos documentos, parte que eu, toda feliz, encerrei ontem. Quer dizer, encerrei mais ou menos, porque ainda falta a carta do meu empregador (que eu quero pegar mais pra frente) e e alguns documentos do copain (que ele ainda nem começou a correr atrás). Mas como tenho o plano de enviar os documentos de escolaridade para a évaluation comparative, decidi que já era hora de encarar a facada da tradução. Eu sabia que seria um corte fundo, mas não achei que ela pudesse me estraçalhar! rs

Aqui em São Paulo só pode fazer tradução juramentada aquele que tiver passado no concurso da Jucesp para tradutor público. Assim como um cartorário, ele tem um livro para registrar todas as traduções “oficiais” que vier a fazer e, assim como num Cartório, ele deve seguir uma tabela de preços previamente fixados para cada um dos serviços que lhe compete. Não pode (ou não deveria) cobrar nem mais, nem menos. Ressalto que o tradutor é SEMPRE uma pessoa e nunca uma empresa. Então por que diabos tem tanto escritório/empresa de tradução em São Paulo?

Naquelas aulas de introdução à tradução que fiz na USP no começo deste ano, dois colegas de sala trabalhavam num desses escritórios. A própria professora era uma tradutora juramentada. E numa dessas aulas, falando sobre a atividade do tradutor juramentado, eles contaram que é muito comum que alguns tradutores públicos se reúnam, abram uma empresa e contratem tradutores “comuns” (ou seja, não concursados) para trabalharem para eles. Contaram ainda que tradutor público não pode recusar serviço e que a demanda é sempre maior do que eles dão conta, daí contratar “ajudantes” passa a ser inevitável. Resumindo: alguém faz o trabalho sujo e o outro cola o selo, como se tivesse sido feito por ele. Se isso é ilegal ou não, eu não sei, mas essa exploração de mão-de-obra barata é a única explicação que encontro para os orçamentos que recebi hoje.

Enviei 25 paginas para orçar uma versão em INGLÊS dos seguintes documentos:
– 3 diplomas (é, eu coleciono)
– 5 históricos escolares (referentes aos três diplomas e meus dois intercâmbios)
– 3 comprovantes de união estável (contrato de conta conjunta, conta de luz e telefone)
– 1 extrato de vínculo empregatício (cujo carimbo do INSS deve ter sido dado com a almofada mais sem tinta de todo o serviço público brasileiro, pois mal dá pra ler)
– 1 certidão de nascimento

Segundo duas empresas que consultei, as 25 páginas se transformaram em 40 laudas de 1000 caracteres sem espaço cada uma. Pela tabela da Jucesp, cada lauda de texto comum (como a certidão de nascimento) custa R$ 52,70 e cada lauda de texto especial (como os diplomas) custa R$ 73,10. A mesma tabela também prevê que se eu quiser uma segunda via de algum documento, ele vai custar 20% do valor da tradução/versão. Assim, por mais salgado que tenha sido o orçamento que coloquei aqui durante a tarde, ele é um orçamento sério e em conformidade com a Jucesp, que ficaria pronto em três dias.

O que eu não consegui entender foi que, duas horas depois do meu desabafo aqui no blog, recebi outros dois orçamentes que em tese faziam o mesmo serviço por menos da metade do preço, em torno de R$ 1500,00 por 38 laudas, com prazo de entrega de sete dias. Mas se é a Jucesp quem determina o valor da tradução, como eles podem cobrar mais barato? E o fato é que fiquei com a pulga atrás da orelha…

Decidi então passar numa das agências para tirar algumas dúvidas, já que ela ficava perto da Aliança e hoje eu teria aula. Quando perguntei dos valores mais baixos me disseram que estavam fazendo o preço de estudante, por causa dos vários diplomas que eu estava mandando traduzir. Acontece que nem eu sou estudante (a não ser que aula de francês conte) nem a Jucesp prevê um valor diferenciado para estudantes. Também me informaram que tinham ignorado o meu pedido das segundas vias e que se as quisesse, teria que acrescentar mais uns R$ 200,00 no valor do serviço. No cartão da empesa, pas de nom du traducteur.

Pra quem não sabe, o Jucesp também disponibiliza a lista de tradutores públicos no estado de São Paulo. A minha atual professora de francês na Aliança está nesta lista e disse que poderia fazer o trabalho, desde que não tivesse urgência. Fiquei de mandar as cópias todas para ela olhar e me dar uma previsão, mas não acho que ela fará um preço menor do que aquele primeiro que recebi, a não ser que ela conte lauda de alguma maneira diferente dos demais…

Do ponto de vista de alguém que já pensou várias vezes em ser tradutora, acho muito errado pagar um valor inferior ao da tabela. Acho mais errado ainda quando esse valor só é possível porque tem alguém sem a formação apropriada fazendo o serviço em troca de merreca. Sei que muita gente vai dizer que tem um amigo, irmão, cunhado, periquito, papagaio que sabe inglês melhor que muito tradutor formado em universidade, mas eu estou falando da realidade que eu conheci: os meus colegas de classe, que trabalhavam para estas empresas, estavam no segundo, terceiro ano de faculdade e o francês deles tava longe de um TCF B2, não importa em qual competência. E não falo isso pra diminuir ninguém: eles estavam em busca da experiência profissional e queriam começar em algum lugar. O certo seria que o Jucesp fizesse mais concursos e que os tradutores juramentados conseguissem dar conta da demanda existente sem explorar ninguém, mas utopia só serve pra gente sonhar mesmo.

Para me garantir, pedi para as agencias informarem quem é o cidadão que vai “fazer” (ou seja, assinar) as versões, para que eu possa conferir na Jucesp se eles realmente são tradutores públicos, assegurando assim a validade dos documentos. Mas, sinceramente, je ne sais pas quoi faire. Estou aqui, perdida e insone (pra variar), sem saber se dou ouvidos à minha ideologia ou ao meu bolso (mas com a ligeira sensação de que o bolso vai ganhar).

5 comentários sobre “Lost in translation

  1. tatianasaoli disse:

    vc pode fazer as traduções por outro Estado. Vc envia por e-mail os doc e os recebe juramentado via correios.

    Já tentou fazer a cotação para Francês??? o CA aceita tanto inglês como francês.

    Os preços variam muito de Estado para Estado. Tenha dó do seu bolso, mas se for assim tão exigente mande fazer logo pelos tradutores de Quebec. A diferença não deverá ser muito grande.

    Bjs. Agnes.

    https://coxinharesfriada.wordpress.com/

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    • Alli disse:

      Eu pensei nisso, Agnes, e a agencia que eu acabei escolhendo tem escritorios em vários estados. Cotação final de R$ 1.380,00. Mesmo que eu tivesse escolhido a cotação mais cara, ela ainda sairia um pouco mais barata que no Canadá. Eu pedi orçamento para uma tradutora da OTTIAQ e cada diploma saia em media uns 50 dolares canadenses (frente e verso). Fora a despesa com o envio e a devolução, né? Se eu tivesse pensado nisso antes, podia ter levado a documentacao comigo quando fui a Quebec e pedido pro meu namorado ir buscar depois, mas nao dá pra chorar sobre o leite derramado, né? 🙂

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  2. Cibele disse:

    Infelizmente no Brasil, é tudo assim, sempre tem um “jeitinho”, um dos motivos que quero ir embora o mais rápido possível rs. Pelo que entendi, existe uma tabela, mas é subjetiva, cada um calcula como quer… de acordo com a cara do freguês. Boa sorte no seu dilema!

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    • Alli disse:

      Eu realmente fiquei sem entender, mas me decidi pela cotação mais barata no final das contas (R$ 1380,00). Dei a entrada hoje e tudo fica pronto na quarta.

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