Le futur composé

Não, eu não descobri (mais) um tempo verbal pra aprender na língua francesa. Quis apenas fazer uma brincadeira com a tradução literal desse “futuro composto”, c’est à dire, com este futuro que estou tentando compor linha por linha, como se criasse um enredo para minha vida.

Talvez minha explicação tenha tornado a ideia ainda mais confusa. Já nem sei… Minha cabeça anda tão atormentada pelo meu trabalho caótico que começo a duvidar de mim mesma. A verdade é que eu entrei numa fria (por opção, é verdade) e agora não sei como (nem se posso) sair dela sem me meter noutra maior ainda.

A maioria das pessoas entende que promoção no emprego é sinônimo de sucesso profissional. Bem, trabalhando há quatro anos com Recursos Humanos eu não poderia pensar diferente: ser promovido é sinal de que alguém reconhece seu esforço, que alguém dá valor ao seu trabalho, mesmo que de vez em quando você meta os pés pelas mãos. Mas o que a gente faz quando é reconhecido por fazer um trabalho que na verdade a gente nem gosta, simplesmente faz? Pior, o que a gente faz quando a tal promoção implica em liderar uma equipe, ser “chefe” dos seus até então colegas, quando só de tentar falar dos seus planos pra sua área sua boca seca, seu coração acelera e a cabeça fraqueja?

Hoje foi meu primeiro como titular nessa nova função e tudo o que eu consigo pensar é que eu não queria estar lá. E quando isso acontece, eu me pego repetindo como um mantra: é pelo Canadá, é pelo Canadá! Porque é essa graninha extra que me permite pagar o curso de francês, visto e viagem de prospeção. É esse extra, que eu vinha recebendo ocasionalmente como substituta, que tem me dado condições de sonhar com este processo sem me afundar em dívidas.

É engraçado que, na maioria dos blogs, as pessoas parecem preocupadas com essa questão de recomeçar do zero profissionalmente, de ter de voltar a fazer os trabalhos que faziam no início da carreira. Comigo acontece o contrário: o “zero”é minha maior esperança… A minha “fuga” para o Norte é também a minha chance de refazer escolhas que não tenho coragem de fazer aqui. E é aí que começam os meus conflitos internos…

Sou formada em Jornalismo, mas antes mesmo de terminar a faculdade eu já sabia que não trabalharia com Comunicação. Eu não tinha o mesmo brilho nos olhos, a mesma empolgação que meus colegas de classe. Eu estava ali porque gostava de escrever e achei que poderia fazer disso uma profissão, mas o que me encantava eram outros tipos de história. Quando terminei a faculdade, sem grandes aspirações profissionais, cai no mundo dos concursos. Desde então, já perdi as contas de quantas provas prestei e de quantos empregos sai. O curioso é que, por algum motivo desconhecido, todas as minhas funções sempre tiveram um pezinho na área de Recursos Humanos, mesmo que eu nunca tenha demonstrado a menor aptidão para isso.

Posso dizer que só fui me encontrar na faculdade de Letras: estudava por amor e as leituras mais difíceis raramente eram um sofrimento. Além disso, eu gosto de dar aula. Sei disso há muito tempo, mas nunca cogitei abandonar o meu emprego público administrativo e “burrocrático” para ser professora. A questão financeira pesa e hoje em dia sala de aula é quase sinônimo de ambiente insalubre, especialmente se você for trabalha para o Estado. Por algum tempo eu pensei que poderia ser professora universitária: cheguei a ingressar no mestrado em Literatura Brasileira, mas o fato de não ter bolsa de estudos combinado com uma oferta de emprego para trabalhar num consulado me fizeram abandonar tudo e mudar para São Paulo.

Hoje, lendo e relendo os formulários da imigração, não sei muito bem o que responder. Sua experiência profissional está relacionada à sua formação? Então, seu agente consular, isso depende, né? A gente tá falando do Brasil ou do Canadá? Porque se for aqui, dá pra criar uma história mirabolante dizendo que eu aplico todos os meus conhecimentos acadêmicos para gerenciar a comunicação organizacional e as relações interpessoais na minha “empresa”. Mas quando entro na ordem quebecoise dos profissionais de RH, até o curso de Letras tem mais a ver com a área que o meu curso de Comunicação.

Tem também aquela outra perguntinha básica: quando você chegar no Québec, você pretende trabalhar: (a) na sua área de estudos ou (b) na área em que detém experiência profissional? Mas prestatenção antes de responder porque RH é área prioritária e, se você descolar o emprego antes de chegar, tem até visto facilitado. Além disso, você acha que vai poder dar aula de quê por aqui? Português? Porque convenhamos, de francês é que não vai ser com esse monte de nativo dando sopa, né?

Vez ou outra eu namoro com a Tradução. Pensei inclusive em fazer um Mestrado antes de ir. Também pensei em fazer o Mestrado lá. Eu já pensei tanta coisa que já nem sei. Mon Nord est perdu.

3 comentários sobre “Le futur composé

  1. Cibele disse:

    Acho que estamos todos no mesmo barco, creio que muitos se sentem assim. Infelizmente, trabalhar com o que se gosta é para poucos, para aqueles que não precisam de dinheiro para sobreviver, que já nasceram com a “vida ganha”. Um projeto de imigração nos faz repensar todos aspectos da nossa vida. Eu estou passando mais ou menos por isso. Eu decidi fazer biblioteconomia com 17 anos porque gostava de ler, olha a ingenuidade. Trabalho há anos como bibliotecária e sem dúvida gosto do que faço, mas também não é esse amor todo. E pra piorar, escolhi uma profissão que dificilmente serei bem remunerada. Após anos de experiência e num cargo razoável numa multinacional, ganho o suficiente para pagar as contas, e só. No Canadá, terei que fazer um mestrado, aí pensei, já que vou ter que estudar mesmo porque não aproveitar e escolher fazer outra coisa da vida? E ainda estou nessa dúvida. Boa sorte pra nós!

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    • Alli disse:

      Mas você se vê fazendo outra coisa, Cibele? Porque eu reclamo muito dos Recursos Humanos, mas é porque não acredito realmente na coisa, sabe? Pelo menos não no serviço público, talvez no setor privado a coisa funcione. A menina dos olhos da área é o tal do planejamento estratégico e desenvolvimento de talentos que, na minha opinião, é majoritariamente papo furado. Infelizmente, as melhores perspectivas de emprego em RH (no mundo todo) estão nessas subáreas… Mas não sei. Acho que já enraizei no trabalho administrativo: não duvido nada que eu acabe fazendo o cegep de Comptabilité et Gestion quando chegar por lá.

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  2. Cibele disse:

    Pois é, eu também já enraizei na biblioteconomia, não saberia o que fazer pra começar tudo de novo. E eu gosto, a única coisa que não gosto é da má-remuneração, mas quem sabe no Canadá, com os salários mais igualitários, eu me sinta menos frustrada nessa questão.

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