PARLE-MOI, JE T’ÉCOUTE (OU FALA QUE EU TE ESCUTO)

Peço desculpas pela piadinha infame aí de cima, mas não resisti. Alguns posts atrás eu prometi que escreveria o que tenho feito para treinar o ouvido a entender francês falado – em especial o québecois, que, na primeira vez que eu ouvi, podia jurar que não era francês. Todo mundo tem seus “segredinhos” e “receitinhas de sucesso”. Eu, particularmente, não gosto muito de treinar com exercícios de livros, porque os acho forçados, artificiais. A maioria tem um objetivo além da compreensão oral (como reforçar vocabulário e/ou gramática) e replicam fórmulas e estruturas à exaustão para que possamos memorizá-las (ou, simplesmente, repeti-las como papagaios). Daí, quando você vai para o mundo real, não entende bulhufas!

Além disso, o francês também tem essas palavrinhas, tipo “bulhufas”, que livro nenhum vai te ensinar. Ainsi que moi, j’suis pour les sources originelles. O que estas fontes perdem no francês standard (que é sim primordial para um teste como o TCF e para uma futura vida profissional), elas ganham no sentido de deixar a gente à vontade numa situação cotidiana. O contraste entre a língua escrita e a língua falada é algo que existe em qualquer idioma e que eu fui induzida a achar que era quase inexistente na França. Bom, na França pode até ser (apesar de eu saber que não é), mas no Canadá… Oh là là! E haja

Não que eu ache que basta deixar a televisão sintonizada o dia inteiro na TV5 para, de repente, compreender tudo magicamente. E também não tenho paciência de ficar “voltando a fita” (é, aqui vocês já têm indícios de que eu sou uma pessoa agée). Essa coisa de ficar ouvindo repetidamente um vídeo ou de ficar preenchendo lacuna de letra de música me irrita profundamente. É chaaaaaato. Sou daquelas que aposta sempre no all in. Isso quer dizer que, sim, eu deixo a tevê lá passando qualquer coisa e fico prestando atenção, se conseguir entender, ótimo; se não conseguir, fazer o quê?

Não quero (nem vou) entrar em nenhuma discussão linguística, mas existe uma coisa chamada Terminologia, que estuda as palavras utilizadas num contexto específico. Explicando muito mal e porcamente, funciona mais ou menos assim: se eu falar em environement, isso vai puxar nature, que pode puxar écologie, ou talvez développement durable. E o que isso tem a ver com a compreensão oral? Ora, eu posso não ter entendido exatamente a primeira palavra, mas as outras me farão deduzi-la a partir da sonoridade e do contexto.

Falando assim, parece um troço difícil. Provavelmente não é a forma mais fácil e, dependendo do sotaque, é completamente inviável. Mas programas jornalísticos, em geral, são bons para isso: os apresentadores e radialistas têm boa dicção e o texto falado é mais próximo do texto escrito (até porque, em geral, eles LÊEM o que escreveram antes). Gosto muito dos programas matutinos da Radio-Canada: ao contrário dos vespertinos, eles quase não têm música e, em geral, comentam as notícias do dia, estreias de cinema, eventos esportivos, política, etc. E não, eu não tenho um caderninho onde anoto as palavras novas, eu só presto atenção, e fico feliz quando as reconheço em um outro programa. Foi assim, toda contente porque eu conseguia compreender bem as emissões radiofônicas da Radio-Canada, que eu decidi me aventurar pelo mundo das séries québecoises… Si j’avais prévu la catastrophe!

Mas antes, tenho que fazer uma ressalva: entrei no mundo das séries francesas (ou dubladas em francês) il y a très longtemps. Hoje a internet tem de tudo por streaming, mas dez anos atrás, quando eu comecei a estudar francês, a coisa não era tão simples assim. Em 2007 fiz um curso na Aliança Francesa de Paris, e os finais de tarde gelados de janeiro não eram convidativos para ficar na rua, então eu sempre voltava pra “casa” por volta das 17h30, junto com o tumulto da hora do rush. Quando entrava no meu quarto, estava sempre passando uma série tipo Malhação, originalmente espanhola (mas dublada em francês) chamada Un Dos Tres (o nome espanhol é Un Paso Adelante), com a Lolá, o Robertô, a Silviá. Era praticamente uma novelinha e eu a assisti durante um mês. Como não tinha legenda, no começo entendia bem pouca coisa, mas era suficiente para compreender o desenrolar da história. Quando voltei, decidi que ia achar um jeito de continuar assistindo. Por acaso alguém aqui chegou a usar o e-Mule? Pois consegui baixar uma temporada da série com este programa e, mais tarde, encontrei um site onde eles disponibilizavam essa e outras séries em francês. O site existe até hoje, mas acho que nenhum dos links funciona mais. Engraçado que na época eu não percebia, mas o fato de ser uma série dublada tornava mais fácil de entender o que era dito, pois todas as falas eram bem presas ao roteiro, sem as hesitações da língua falada. Em tempo, a série não era boa (vejam com o que eu comparei) mas eu desenvolvi uma relação de afeto que me faz assisti-la até hoje.

Ressalva feita, voltemos ao québecois. Resolvi apelar para as séries por dois motivos principais: nem tudo me interessava dentro da programação da TV5 e eram poucos os momentos de francês quebeco na programação regular. Mas quem disse que eu achava um ponto de partida? Na Radio-Canada eles fazem propaganda das séries do ICI.TV, mas para usar o mês grátis você precisa ter um cartão de crédito canadense para colocar no cadastro. Consegui, graças à minha xeretice sem tamanho, assistir a um ou dois episódios de $7 par jour e também a uma outra série que me escapa o nome agora. Sensação de pavor! Não entendia absolutamente NADA.

Dando seguimento à minha xeretice, descobri um outro site que recomendava as séries Les Parent e La Galère como boas fontes para ouvir o québecois e, voilà, a primeira está disponível no YouTube. COM LEGENDA (em francês, é claro)! É uma espécie de Modern Family, mas feita de esquetes, ou seja, você não precisa necessariamente assistir ao primeiro episódio para assistir ao segundo. Engraçadinho na medida certa. Achei também um jeito de assistir La Galère (algumas escolas de São Paulo tem a série em DVD para emprestar) e acho que agora já estou preparada para praguejar por todo o Québec! Meu vocabulário cresceu: ostie, tabarnak, chuis dans la marde, hot, tu veux-tu…  A série conta a história de quatro amigas (algumas com marido e filhos) que decidem viver juntas debaixo do mesmo teto: a “galera” são as quatro mulheres, seus maridos/amantes/namorados, e oito crianças. Às vezes exageram no dramalhão, mas eu assisto compulsivamente. Adooooro! E além de praguejar, aprendi a falar là. Là là. Là là là là! Hoje o sotaque do Québec parece mais compreensível, mas ainda tenho peur de assistir a qualquer coisa sem legenda. Quem sabe quando eu voltar do Canadá?

Pra terminar este post infinito, tenho usado o site da TV5 com a finalidade de treinar especificamente para o TCF e não tenho me saído mal. Para quem está preocupado só com a nota da prova, talvez seja o mais indicado.

2 comentários sobre “PARLE-MOI, JE T’ÉCOUTE (OU FALA QUE EU TE ESCUTO)

  1. Cibele disse:

    Ótimas dicas! Jaá ouvi falar muito das diferenças do francês quebecois e do francês da França, sei que eles misturam muito francês com inglês no dia-a-dia. Por enquanto ainda estou focada em estudar/passar na prova, mas vou procurar essas séries logo mais, foi assim que melhorei muito no inglês, assistindo séries sem legendas. E tb sou como vc, se não entendia, azar o meu, continuava em frente, nenhuma paciência de “voltar a fita”. E sobre terminologia eu entendo bem, sou bibliotecária rs. abs

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    • Alli disse:

      Você começou a aprender francês agora ou também está “redescobrindo” a língua como eu? Acho que você está certa de estudar para a prova, porque não adianta nada dominar a língua se não conseguir a nota necessária. E essas provas costumam ter seus peguinhas… Antes do IELTS eu fiz um curso on-line (http://www.roadtoielts.com/testdrive/) para me preparar para os peguinhas do teste. Ajudou um bocado na compreensão oral, porque o teste é muito rápido. Mas sempre fiz esse tipo de preparação combinada com algo que eu gostasse, como ler um livro de literatura ou assistir séries nativas. Pra mim isso é essencial pro estudo de língua não ficar chato. 🙂

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